Mário Wilson, o Velho Capitão, dá uma entrevista ao jornal A Bola, onde aproveita para recordar a sua passagem por Coimbra.
Alguns excertos:
- É verdade que a sua transferência para Coimbra meteu a cunha do ministro da Educação?
- É verdade, em absoluto. Havia a famosa Lei de Opção, mas porque eu era estudante, o ministério abriu um precedente que me beneficiou. Depois apareceram outros jogadores, como o Peres, que se transferiram da mesma forma.
- Em Coimbra começa a viver num ambiente subversivo, contra o regime fascista...
- Antes vivi com o Agostinho Neto, em Lisboa. Tinhamos uma intimidade profunda. Nós, os africanos, não nos libertávamos do espírito de independência. Nessa altura reunia com Agostinho Neto, Mário Miranda, Marcelino dos Santos (que fez atletismo comigo) e outros ligados à Guiné e a Cabo-Verde. Juntávamo-nos na Praça do Chile à 2ª feira, era infalível, e íamos numa romaria até aos Restauradores. Em Coimbra junto-me a Chipenda e ao Araújo. Eles acabam por fazer a sua luta, mas entra em acção a PIDE e são presos. Depois são libertados, um pouco por minha influência. Os da PIDE chamaram-me, porque era o capitão da Académica e disseram-me: «Estes tipos queriam fugir e a gente apanhou-os a caminho da Figueira da Foz. É importante que o Capitão faça com que eles abandonem essa ideia. E diga ao Chipenda, que se quiser, deixamo-lo ir fazer os exames que tem marcados na universidade» E foi mesmo, no Mercedes da PIDE, com chaufer e tudo. Mais tarde dá-se um conflito académico de monta, que origina a paragem do campeonato por uma jornada, como forma de protesto contra a colonização. Surgem os militares e somos chamados à Praça da República para definir a nossa posição. Fui o primeiro a ser ouvido, maisd uma vez por ser o capitão. «O senhor joga ou não joga?», perguntaram-me. «Desculpem, mas preciso de falar à parte com os jogadores», respondi. Juntámo-nos todos numa sala e falei: «Temos tempo para as nossas lutas, não vamos suicidar-nos colectivamente. Acho que devemos dizer que vamos jogar. E o Chipenda,o Araújo, o N'dalo França e os demais disseram que sim. Mais tarde fugiram e entraram na luta da independência.
- Em Coimbra passa a ser o Velho Capitão...
- Foi a alcunha que mais perdurou. Porquê? Porque em Coimbra fui o eterno capitão, pela minha postura e maneira de ser. Era capitão na Académica quem tinha as habilitações mais elevadas. Até que apareceu Cândido de Oliveira e o Oscar Tellechea e disseram. «Não, o fulano que tem o perfil de capitão que nós imaginamos é Mário Wilson.» E fui capitão para sempre.
- Conheceu Mestre Cândido. Como era o homem, o treinador?
- Tive um convívio extremamente forte com ele. Foi sempre impecável. Ia para o hotel Astoria, onde vivia e falávamos horas a fio de futebol. Era um homem de grande dignidade, que gostava do bom convívio. Era uma delícia ouvi-lo. E era profundo, humano e inteligente no que defendia. Foi um dos catedráticos do futebol. Havia um grupo de doutores no café Arcádia que requisitava o Cândido e ele presidia a essas reuniões como um autêntico catedrático, com um domínio cultural impressionante sobre tudo o que se passava.
- Iniciou a sua carreira de treinador como adjunto dele, não foi?
- Sim, ainda era jogador, quando fui seu adjunto.
- Em 1963 acaba como jogador. Passa a adjunto de Otto Bumbel, depois de Janos Biri e de Mário Imbelloni e a fechar este ciclo é adjunto de Pedroto.
- Quando o Pedroto sai é que eu assumo o lugar de treinador da Académica. O Pedroto era intratável. Tinha atitudes que roçavam o racismo. Ele queria sempre ser o big boss.
- As grandes lutas Norte-Sul começam entre Pedroto e Wilson. E são lutas duras...
- São, são... Mas em Coimbra eu era o Capitão e os jogadores andavam à minha volta, pouco ligavam ao Pedroto. Eu era o espírito académico, o Pedroto era ganhar, ganhar...tinha uma determinação própria, um pouco a destoar daquele ambiente de Coimbra.
- Pedroto deixa a Académica por dar uma punhada num jornalista de Coimbra, não é?
- Exactamente. Ele foi acumulando pequenos ódios. Tinha coisas tal como o Pinto da Costa,de uma determinação inabalável. Uma das máximas do Pedroto era: «Morrer por morrer, que morra o meu pai, que é mais velho». Isto era Pedroto.
- Ia falar da saída de Pedroto...
- O Porto foi jogar a Coimbra e esse tal jornalista, depois do jogo, escreveu: «Este jogo antes de começar já estava perdido.» O Pedroto não esperou, foi ao café onde se reuniam os teóricos, viu o jornalista e perguntou-lhe: «Foi você que escreveu isto?». - «Fui, porquê?» E Pedroto respondeu-lhe com um soco nos queixos. Isto era Pedroto.
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