domingo, fevereiro 18, 2007

QUE DESGRAÇA

(memórias do Atlético – 0  Académica – 1)

 

Fui à bola ver a taça…

Que desgraça!

Há muito que lá não ia.

Nem sabia

– Que eu em guerras não me meto –

Que o pobre dum guarda-chuva

Agora é uma arma branca

Apesar do pano preto!

 

“Não pode entrar, é de lei!”

“Ora porra, e eu cá sei?”

– Respondi eu para o bronco –

“Um chuço que é cá um ronco…

Nem é bem pelo dinheiro

É mais pela estimação.

Foi oferta do barbeiro

Por lhe comprar a loção

Prà caspa um ano inteiro.”

 

“Que não”, não podia ser.

Ou o levava prò carro

– E o jogo quase a arrancar! –

Ou o punha ali de rojo

Num monte que era um nojo

Pra mais tarde levantar.

“Mas desde já o aviso

Qu’ eu não me responsabilizo.”

 

Lá deixei o artefacto.

Fui escada acima prò campo

Assentei o cu no banco

E fiquei estupefacto:

Que a malta vinha de preto

Mas c’ uns soquetes branquinhos

A saírem dos tamancos

Grandes ou pequenininhos

Não sei se coxos se mancos!

 

Pareciam vacas malhadas

De pelo preto no lombo

E patas esbranquiçadas!

E até os cascos pintados

De encarnado e outras cores!

Vamos lá a ver senhores

Isto é que é o equipamento

Da equipa dos doutores?

Ou é pata de jumento?

 

E o sô árbitro!

Que gozo!

De azul bebé fardado

Cara de matarruano

Se fosse há 40 anos

Diria não ter capado

Para a nossa inteligência.

Agora nem digo nada

Ao olhar para a manada.

Paciência...

 

Pus-me na primeira fila

Ao nível dos treinadores.

E agora, meus senhores

Já sei porque é que os macacos

Quando no flash interviú

– Ali, no fio da navalha –

Lhes perguntam o que viram

Dizem sempre o que lhes calha.

 

Que onde estão não se vê nada!

Ele é tudo fogo raso!

Eu sei lá se era na área

Ou se a bola atravessou

A linha de cabeceira

Ou se a gaja esteve fora

Ou dentro da capoeira.

Dali, verdade ou mentira,

Cada qual baila o seu vira.

 

Começa o jogo e a malta

Da nossa bancada grita:

“A-cadé-mi-ca! A-cadé-mi-ca!”

Quando atrás, que confusão,

Sai em coro um barulhão:

“A-telé-ti-co! A-telé-tico!”

Aquilo era tudo ao monte

Tudo gritava pró mesmo

Era tudo boa gente

Só estudantes e operários

– Como “A Bola” desse dia

Não deixava de lembrar –

Só o cabrão da portaria

Havia de chatear.

 

Felizmente, ao intervalo,

– Depois de ir a verter águas

E dar uma espreitadela

Ao monte dos guarda-chuvas,

Para acalmar minhas mágoas –

Arrimei-me mais pra cima

Prò pé da malta entendida:

O Rogério e o João Mesquita

Que me deram a equipa:

 

“Este ali é o Geano

Mas aquele é o Joeano.”

“Este aqui mesmo é o Litos

Que aquele ali é o Lino.”

Mas que grande confusão

Não vi Manéis nem Antónios

– Que demónios –

É mesmo assim, pois então!

 

É futebol à maneira

Profissional,

Sempre à beira

De mudar no fim do ano

Meia equipa

Que outra meia

Já mudou pelo Inverno

Mas que inferno!

 

E a Mancha a bater no bombo

Sem graça nas cantorias.

E a malta a falhar nos passes

Sem gozo nem fantasias.

E o Atlético a crescer

E a malta a adormecer.

E a chuva de molha patos

A entranhar-se nos sapatos.

E a equipa sem ter pressa

E eu já com dor de cabeça…

 

Chegamos ao fim do tempo

Vamos pra prolongamento

É só passar os descontos.

Quando o Pitbull arranca

Grita o Rogério e o Mesquita:

“Passa a bola meu sacana!”

“Passa! Passa! cruza agora!”

E o gajo, que nem os ouve

Não passa a ponta dum corno

Acelera, chuta a bola

E a malta já grita “Golo!”

“É golo e já está na hora”!

 

Digo adeus aos dois amigos

Que com seus gritos possantes

Assim ficaram da estória

Desta tão grande vitória.

E saio à frente de todos

Não vá que na confusão

Me levem o guarda-chuva

Qu’ inda lá estará no chão.

 

Olho do cimo da escada

E que vejo eu logo ali:

O rasto duma manada!

Foi carga de javali!

Só restam cabos partidos

Varetas encarquilhadas

E um trapo meio franjado

Com motivos em xadrez

Nem sei se era um guarda-chuva

Se o kilt dum escocês.

 

Só estudantes e operários.

Boa gente, já se vê.

Fui à bola ver a taça…

Que desgraça!

 

Zé Veloso

16/02/2007

 

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P.S. Recebi esta pérola literária que acho merecer ser lida pelo maior número de pessoas para que possam desfrutar do imenso prazer que me deu lê-la. Ao seu autor, que gentilmente me permitiu publicá-la o meu muito, muito obrigado. Pela alegria que me proporcionou ao ler, e por me ter permitido publicar.

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