Na passada sexta-feira, fez 20 anos que morreu Zeca Afonso.
20 anos! Como é possível?! Estou a vê-lo entrar no palco, para o seu último concerto, e arrancar, já sem o fulgor de outros tempos,
“Do Choupal até à lapa
Foi Coimbra os meus amores
A sombra da minha capa
Deu no chão, abriu em flores”;
para, pouco depois, ter a coragem de cantar, voz embargada pela comoção, a premonitória “Balada de Outono”:
“Águas das fontes calai
Ó ribeiras chorai
Que eu não volto a cantar”.
Zeca era, foi, o maior. Todos os outros procuraram imitá-lo, segui-lo, mas de cada vez que o tentavam agarrar ele já não estava no mesmo sítio. A sua incrível intuição musical – Zeca Afonso sabia da música apenas os rudimentos – e o seu apurado sentido poético logo o atiravam mais para a frente.
Quando a moda era a canção de Coimbra acompanhada à viola e à guitarra, ele surgiu acompanhado apenas pela viola do Rui Pato; quando os demais imitaram as suas baladas acompanhadas à viola, ele surgiu com “Maio, maduro Maio”, acompanhado pela mini-orquestra do Zé Mário Branco, no mesmo disco em que arriscou lançar uma canção sem acompanhamento algum: “Grândola Vila Morena”.
Não conheci pessoalmente o Zeca. Ele era da geração de 50, enquanto eu pertenci à de 60. Mas fui colega de músicos que o acompanharam: Rui Pato, “Bóris”, Phil Colaço, 15 anos mais novos do que ele, o que dá bem a ideia da sua juventude de espírito.
Zeca Afonso não era de modas. Mas ele acabava por fazer a moda, com o seu estilo anti-vedeta. Como não era capaz de decorar as letras – nos tempos em que cantava fado de Coimbra era a malta que lhe fazia de ponto – começou a cantar com a letra escarrapachada num tripé à sua frente… e a moda pegou.
Sobre o Zeca Afonso muito foi dito e escrito nestes dias. Mas não vi referida a sua ligação à Briosa. Zeca Afonso jogou um ou dois anos na equipa B dos juniores da Académica, nos finais da década de 40, a extremo-direito e a interior-esquerdo. Como ele próprio confessou numa entrevista que deu poucos anos antes de morrer, “foi sempre extremamente irregular: sem saber népia metia assim um golo… mas no desafio seguinte jogava pouco. Não aguentava mais que vinte minutos de jogo”.
Pergunta o jornalista: – E se a Académica ia jogar fora, também ias? – É claro. – E se havia porrada no campo? – Considerava uma obrigação, um dever, quase um autêntico juramento, uma autêntica profissão de fé defender a chamada Briosa. E, quando o entrevistador lhe pergunta: – Mas o que te marcou em Coimbra? Responde o mesmo que eu e muitos outros gostaríamos de ter respondido: – Essa atmosfera romântica e irreverente ao mesmo tempo.
Depois de Abril, Zeca Afonso passou a património nacional e bandeira de muitas causas. O seu espírito desprendido, ingénuo, anarquista, deu azo a que muitos se apropriassem da sua imagem; e muitos são aqueles que hoje reclamam Zeca Afonso para o seu lado.
Mas é bom não esquecer que Zeca foi, antes de mais, um produto de Coimbra e da sua Academia. Mais importante do que lembrar que Zeca Afonso vestiu, ainda que episodicamente, a camisola da Briosa, é não deixar esquecer que ele é vinho da mesma cepa que produziu a Briosa, tal como eu o sou e muitos outros que naquela Academia forjaram a sua personalidade; e, até, – porque não? – outros ainda que sentem saudades dela sem nunca nela terem vivido.
O Zeca não o esqueceu. Por isso, ao dar no Coliseu de Lisboa o seu último espectáculo, o concerto em que revisitou toda a sua vida artística, fez questão de abri-lo com uma guitarrada de Coimbra, tocada por antigos estudantes de Coimbra, capas negras pelos ombros, numa época em que nem todos tinham coragem de assumir esse passado.
Zé Veloso.
Magnífico.
ResponderEliminarQue pena não haver uma fotografia do Zeca com a camisola da Briosa.
Ainda hoje oiço o Zeca Afonso com prazer.
ResponderEliminarSempre, desde que me conheço que gosto de ouvir a Música do Zeca, e sempre o admirei, mas a partir de hoje vou passar a admirá-lo mais, pois que, fiquei que para além de tudo o que sabia acerca dele fiquei hoje a saber que tb ele jogou na NOSSA BRIOSA.