segunda-feira, dezembro 03, 2007

Sobre a Briosa

Encontrei este magnífico texto da autoria de António Arnault, publicado no diário As Beiras. Com a devida vénia ao autor por me ter proporcionado a sua leitura, aqui o deixo, na esperança que alguns "coimbrinhas" percebam melhor o que foi, e o que é a Briosa.

António Arnaut
A Briosa Academia de Coimbra
Assisti há dias às celebrações do 120.º aniversário da Associação Académica e verifiquei, emocionado, que Coimbra ainda é uma lição e continua a rimar com tradição, tomando aqui a palavra no seu verdadeiro étimo: transmissão de um legado identitário de geração em geração. Esse legado, que podemos genericamente designar por “espírito de Coimbra”, tem como valores matriciais a irreverência, a solidariedade e o progresso social.
Nos tempos mais remotos, os alunos da Universidade pertenciam, maioritariamente, à fidalguia, ao clero e às classes abastadas. Mas a partir dos meados do séc. XIX, após a implantação do regime constitucional, começaram a chegar a Coimbra os filhos da pequena burguesia, de proprietários rurais e, até, de algum campesinato, sobretudo dos arredores da cidade, que traziam de casa os mantimentos da semana e, por isso, ficaram conhecidos por “broeiros”.
Surgiram, assim, dois grupos conforme o extracto social da sua proveniência, separados por quesílias e preconceitos: o grupo dos ricos e bem nascidos, que ostentavam nomes ilustres e conservavam os tiques aristocráticos, designados por “polainas”, como nos relata Norton de Matos nas suas “Memórias”, e o grupo dos estudantes de condição modesta, que protestavam contra a segregação a que eram votados pelos outros colegas, proclamando o seu brio ofendido e exigindo uma academia mais igualitária. Este grupo, que se foi tornando dominante, ficou conhecido por Briosos ou Academia Briosa. Foi ele que criou a Sociedade Filantrópico- -Académica formada exclusivamente por estudantes, destinada a ajudar colegas carenciados, ainda hoje existente, embora noutros moldes.
Evoco este facto histórico, porque muitos não sabem donde deriva a designação e o grito BRIOSA, e para, do mesmo passo, afirmar que a Academia de Coimbra continua a merecer e a justificar tão honroso título.
Desde Antero de Quental, a quem Eça chamou o “grão-capitão das nossas revoltas”, que em 1862 encabeçou um protesto contra o reitor, na própria Sala dos Capelos, até à greve de 1907 e outros movimentos reivindicativos que culminaram na chamada “crise académica de 1969”, que marcou o início do esboroamento da ditadura, os estudantes de Coimbra estiveram sempre à frente do seu tempo, ao contrário da maioria dos lentes, que continuavam, na expressão de Garrett, a fazer jus à “rotina velha e rançosa da sua presunção”.
Talvez tenham, por vezes, sido excessivos na sua rebeldia. Mas, como nos ensinou Miguel Torga, não há progresso sem transgressão. Quando se tem vinte anos, o excesso é sempre uma manifestação de generosidade. Porque o futuro está ainda ao alcance da vista. A Academia de Coimbra, representada pela sua Associação, que agora comemorou 120 anos, e que congrega dezenas de secções culturais e desportivas, continua a bater-se por causas, fiel à tradição que nos legaram as grandes figuras que ajudaram a fazer a História de Portugal.
Cada um de nós deixa sempre alguma coisa nos lugares por onde passou. É por isso que Coimbra é ainda a capital da liberdade, da solidariedade e da esperança. É a capital da utopia, no sentido de que esta não é o lugar impossível, mas o lugar para onde. Assim a Academia continue a ser Briosa...

1 comentário:

  1. Espectáculo.

    Obrigado por partilhar connosco este belissimo texto deste grande académico e já agora, Brioso.

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