Existe um interessante artigo do VimaranesWhite Shadow, que aborda este assunto de forma correcta e ao qual quero responder:
1) É cínico e falso quem disser que nunca viu usado o termo goal-average para designar a diferença de golos. Quando a expressão é usada, na actualidade, tem o significado comum de diferença de golos.
Existem várias referências ao goal average como outra coisa que não o quociente de golos, e até como não sendo a diferença simples de golos.
Agora o facto é que em Regulamentos Nacionais e Internacionais sempre foi designado (e foi entendido como) quociente de golos marcados e sofridos. Acho interessante que o único caso OFICIAL em que se consegue apresentar uma referência ao Goal Average foi no regulamento do Campeonato Distrital de Reservas da II Divisão da A.F.Porto onde o termo aparece sem explicação. Não faço ideia de como terá sido usado, nem se o seu autor foi aluno do ilustre legislador da Taça da Liga, mas não creio provar grande coisa da forma como está escrito.
Eu não tenho acesso ao Regulamento do Campeonato do Mundo de 1962 e de 1966, por isso não posso confirmar aquilo que eu suspeito. Mas posso recolher algumas fontes:
Part of the reason for the alarming drop in goals was the predominance of catenaccio at the time, but also FIFA's decision to use goal average to settle ties in the first-round standings instead of single playoff games employed at previous World Cups.
Aliás é a própria FIFA a confirmar isto:
A BBC, em resposta a uma pergunta de um leitor diz:
Q: How many times has the League title been settled on goal average or goal difference?
The Premier League has always been decided on points. Four clubs won the old championship on goal average: Huddersfield in 1924, Portsmouth in 1950, Arsenal in 1953 and Manchester United in 1965. Arsenal won it on goal difference in 1989.
Aqui fica claro que, para os nativos da língua, goal difference e goal average são claramente diferentes. Aliás, só em Portugal é que afirmar que são diferentes é sinal de cinismo e falsidade.
2) Se quiserem interpretar à letra, "Goal-Average" significa somente "média de golos" e não o quociente ou rácio entre os golos marcados e sofridos.
Não se trata de querer interpretar à letra. Trata-se de usar o termo naquilo que ele significa e não naquilo que queremos que signifique. Ninguém interpreta morte súbita à letra, mas todos nós sabemos o que quer dizer porque nos Regulamentos onde foi usado era explicado como funcionava. O mesmo se passa com goal average no futebol, que nos REGULAMENTOS do futebol apenas quis dizer uma coisa – quociente de golos.
Exemplos da aplicação do goal average são poucos e raros, mas existem alguns. Em França, na época de 1961-62: Stade de Reims ganhou o título ao Racing Club de Paris por uma diferença de 0.018 no goal average. Tinham o mesmo número de pontos e igual diferença de golos (83-60 vs. 86-63), tendo beneficiado do facto de ter sofrido menos golos, visto que o goal average beneficia sistemas defensivos. A regra foi abandonada em França no ano de 1966. Em Inglaterra foi em 1976:
Off the field, The Football League scrapped the two-up, two-down promotion and relegation system in 1973, and replaced it with three-up, three-down.Three years later, the criteria for separating clubs finishing on the same number of points was changed from goal average (goals scored divided by goals conceded) to goal difference (the difference between goals scored and goals conceded).
Em Portugal foi recuperada em 2008. Alguns querem além de recuperar uma regra antiga, reescrever a história. Pode ser que consigam.
O argumento usado é que em Portugal, dizem (mas nunca provam), o termo goal average é aceite como a diferença de golos. Bem, se o fosse não havia esta discussão, não é? Há uns quantos jornalistas que o usam mal? Há. Vários! Há também quem diga que os golos fora valem a dobrar, mas isso não é verdade pois não? Ainda este fim de semana um jornalista na televisão deu provas de não saber o que era a lei de fora de jogo, e isso não faz com que a lei deva ser interpretada de forma diferente. Já quanto ao último tópico
3) O espírito da lei interessa sim e deve ser tomado em linha de conta juridicamente.
Já deixei a minha opinião, sobre o que penso do espírito desta lei. Como o espírito não fala, cada um lê aquilo que quer. Falar de que se está a dar uma visão actualista é um disparate tremendo. Ninguém está a comentar uma lei feita no século passado. Estamos a falar de um regulamento escrito o ano passado que resolveu abandonar o termo diferença de golos e adoptar um mais antigo, indicando claramente que se se queria diferenciar das práticas das outras competições. Foi isso que foi feito, agora se o legislador se arrependeu ou se se enganou, isso é-me irrelevante. Aliás, toda a discussão jurídica subjacente interessa-me muito pouco, porque conseguimos sempre encontrar dois juristas dispostos as defender duas coisas opostas. Por exemplo, ontem Fernando Seara dizia (e cito de cor):
O espírito da lei não pode nunca contradizer a letra da lei. E a letra da lei aqui é clara.
Opinião com a qual todos (Dias Ferreira e José Aguiar) pareceram concordar, o que também não significa nada, uma vez que caberá ao CJ decidir depois de ouvidos os juristas de cada um dos lados. A discussão se deve ser o VSC ou o CFB a passar interessa-me muito pouco, porque ela depende do poder argumentativo de cada uma das partes bem como da interpretação do CJ. Eu acho que deve ser o CFB, outros acham que deve ser o VSC. Mas creio que todos concordamos que o Regulamento deva ser feito por alguém que saiba o que está a fazer.